A noite por vezes tem um
brilho especial que pouca gente consegue compreender. Um brilho que poucos conseguem alcançar, que só aqueles que se entregam à vida de coração aberto conseguem descortinar por entre as
paredes de escuridão que ela cria à nossa volta... A noite tem o poder de criar momentos que pintam a nossa alma com pinceladas tão diferentes e no entanto, com algo tão único que nos faz olhar para cada uma delas e achar que há qualquer coisa que as une... como se a noite fosse esse elemento unificador que nos dá o ar para
respirar fundo mais uma vez e começar de novo ou para ganhar fôlego para mais um soluço de um
choro dorido, descontrolado. Ao mesmo tempo que nos toca na alma e faz correr um
sopro quente por dentro de nós, consegue também dissolver o sal que nos materializa por entre
lágrimas indefesas, inseguras e perdidas...Às vezes parece querer apenas
brincar connosco... esconder-se por entre os troncos centenários de um qualquer bosque,
saltar as ondas do mar e fugir por entre a espuma que borbulha, e rir-se, rir-se que nem uma perdida, soltar
gargalhadas desmedidas e tresloucadas... Outras vezes ampara a nossa queda com o seu manto de estrelas, como se fosse a rede deste trapézio que é a vida...
Mas nada é em vão. Tudo flui à nossa volta numa harmonia escondida, porém geometricamente estudada... Conjugam-se
momentos, tempos, ideias, reflexões, sons, sentimentos, cheiros, lembranças, vazios, toques, emoções...
Perfis do trilho que a noite tenta iluminar para cada um de nós... E muitas vezes, por entre esta panóplia de elementos que se fundem e intersectam, que se dão e se partilham, surge um pequeno mundo alienado, especial, um canto quentinho e cheio de
doçura, um porto seguro, o telheiro que abriga o movimento das palavras pelos
nossos lábios, pelas
nossas mãos, pelas nossas almas... E nesse mundinho criamos a nossa muralha, a nossa defesa; alcançamos felicidades almejadas e que de outra maneira nunca respirariam nos nossos poros; fazemos nascer rios de tristeza que logo alcançam o mar...
E então o aconchego chega. Aquilo que tantas vezes não fazia sentido, ganha um significado especial e revela-se-nos como o brilho de uma estrela nunca antes visto. E aquilo que sempre fez sentido cresce, ganha vida e devolve-nos vida, quase não cabendo no nosso peito,
quase sendo perfeito de mais para coexistir na nossa essência...