sexta-feira, julho 21, 2006

Um resto de tudo...

Sentas-te e inclinas-te para a frente. As lágrimas caem. Correm na sua fúria de quem pede por liberdade. E no papel ficam os borrões de emoções que não conseguiste controlar...
Agarras o lápis mais uma vez. Tremes. Não queres, mas não consegues. Desistes de redesenhar a cor que te ilumina o sorriso... E então cedes. E deixas-te levar... Pra onde? Nem tu sabes.

Gostava de conseguir fazer rascunhos da vida como tu. Gostava de conseguir apagar as linhas a mais, vincar e enegrecer aquelas que merecem saltar do papel... Colorir pedaços da minha alma como se pinta uma aguarela, como se uma brisa suave soprasse por entre os pincéis e as tintas e os fizesse voar como magia...
Às vezes só quero esquecer que alguma vez pintei. Esquecer os movimentos do meu pulso, esquecer as dedadas na tela suja. Apagar as memórias do carvão que me ficou nas mãos. Os pós de uma dor que penetrou a pele... e o óleo colorido. A terebentina...
Os cheiros trazem-me recordações. Entram pela fresta da janela sem pedir licença, e escondem-se por entre as ondas azuis das cortinas. Correm pelas paredes, galgam o chão, a cama, a estante. Esbarro com eles quando abro a porta. E choro...
Acho que já me esqueci que um dia consegui realmente ser feliz. Na altura achava que não. E se calhar, não o fui mesmo. Já não sei... Mas que esqueci, esqueci. Esqueci-me da simplicidade de correr na areia molhada, da fugacidade dos mergulhos na espuma das ondas... Esqueci-me da paciência que erguia castelos na areia... esqueci-me das gargalhadas despreocupadas, esqueci-me dos dias inteiros a cheirar o calor e a água do duche ao final do dia...

E agora, o que te resta?
As lágrimas aquecem-te a dor e deixam um odor salgado na tua pele.
Lutas, em vão, contra os fantasmas que dançam à tua frente. Que brincam. Que sorriem...
Pousas o lápis. Levantas-te. Lentamente, desvias as cortinas e abres a janela. E deixas que a maresia te invada... Com o amanhecer, ela há-de ir embora. E há-de levar os fantasmas. As lágrimas. A dor.
Sim. Tu sabes.
Ela há-de ir embora.